sexta-feira, 13 de março de 2009

NUNES, C. A. Os pressupostos teóricos da educação sexual. In: Desvendando a sexualidade. Campinas, SP: Papirus, 1987.

Analu/Niraldo/Cintia


Para o autor em quase tudo explode a referência à sexualidade e existe uma diversidade de discursos que se confundem ou se antagonizam. Para tanto, propõe um discurso lúdico sobre a sexualidade, de muitos sentidos, a fim de superar palavras repetidas e fechadas.
Primeiro emerge a necessidade de considerar o contexto de nossas vidas, considerando a evolução da sociedade ocidental-cristã, reconhecendo o modelo cultural ocidental, a história de sua constituição e o papel da sexualidade neste processo onde estaria, segundo Nunes, a raiz de nossas limitações, de nossos medos e de nossos traumas, pois “o silêncio é a medida da repressão” (p.116).
Para isso, o autor indica uma metodologia de compreensão da história para adentrar na dimensão estrutural-dialética da produção da vida social, onde a sexualidade seria compreendida no contexto social, pois é produzida dentro dele. Neste sentido, a sexualidade passa a ser compreendida como “um complexo de valores, modelos, comportamentos, padrões socialmente construídos de acordo com agentes específicos” (p.116).
Essa compreensão dialética supõe uma sociedade em evolução, em movimento, revelando um complexo interno e externo de conflitos que são mascarados por ideologias, o que Nunes chama de “imaginário social”, que são construídos segundo os interesses de uma classe. Neste ponto, o autor parte de duas categorias: o mundo da natureza (real e continuo) e o mundo da cultura (a construção do mundo pelo homem), um pensamento dualista de ver e de fazer parte: “É o corpo o lugar híbrido da natureza e da cultura” (p.117).
Em contrapartida, o autor apresenta a visão maniqueísta e platônica, pregada pelo cristianismo, onde o corpo é tido como uma prisão e é assim que ele propõe recuperar o “sentido humano mítico da corporeidade”, a que denomina de “dionísica da vida”:
“Entendemos que há um imaginário social construído pelas relações capitalistas, um imaginário social que engendrou e mantém um tipo de compreensão e padrão da sexualidade, este também convertido em consumo e venda”. (Nunes: 1987, p.117).

Para tanto, o autor propõe decodificar esse modelo a fim de projetar a ruptura partindo de novas práticas, propondo um caminho histórico, pois “a busca de uma sociedade nova implica uma nova sexualidade, uma nova compreensão”, mas reconhece que existem instituições controladoras e reprodutoras de ideologias.
Em seguida, faz referencia as teorias de Freud, cujo limite histórico impetra um elemento conservador:
“Para Freud, a repressão sexual é condição de vida em sociedade. Toda sociedade só se estrutura reprimindo os instintos básico, sexuais e violentos, pulsões instintivas de prazer e violência” (Nunes: 1987, p.118).

Neste sentido, Freud não consegue propor uma superação legitimando as forças conservadoras e repressivas da sociedade, a-histórica e generalizante. Mas sua idéia avança com um de seus discípulos, Reich, que introduz a categoria histórica na psicanálise, definindo a repressão sexual como historicamente produzida seguindo interesses de dominação, e que se dá pela internalização de códigos e valores repressivos mantidos pelas instituições da sociedade.
Nunes diz que Reich denuncia a família e a escola, como sendo as principais agencias de domesticação e de submissão, bem como a igreja, enfim, todas elas produzem pessoas submissas e doentes.
Seguindo o raciocínio de Reich, Nunes chega nas teorias de Marx, onde “a chave da compreensão da sociedade são as relações econômicas” (p. 120). Sabemos que a sociedade patriarcal autoritária não existiu desde sempre e assim, pode ser superada, apesar de o mito de ser “natural” ser usado como argumento conservador.
Mas não podemos esquecer que a condição humana é cultural, foi pela linguagem, pelo pensamento e pelo trabalho que desprendeu da condição natural, passando a ser determinado cultural e histórico.
Em seguida, Nunes aponta Marcuse e Foucault para explicar melhor. Para ele, Marcuse faz uma síntese de Freud e Marx, ao demonstrar que “o individuo reprimido, originado pela sociedade repressiva, deve fazer uma dialética de libertação, que é a contra argumentação, a rebeldia” (Nunes: 1987, p.121). E continua afirmando que “Marcuse denuncia ainda o controle interno e externo da sexualidade nessa sociedade, fabricando um tipo padrão de relações humanas individualistas e competitivas” (Nunes: 1987, p.121).
Já para Foucault, a aparente liberação sexual seria uma nova arma de controle e destruição, cujo mecanismo principal seria o autoritarismo na formação de indivíduos reprimidos. Para explicar melhor, Nunes recorre a Chauí:
“A idéia central de Foucault é que a liberação sexual, se for possível, não passa pela crítica da repressão sexual, mas pelo abandono do discurso da sexualidade e do objeto sexo e pela descoberta de uma nova relação com o corpo e com o prazer” (Chauí, 1984 apud Nunes:1987, p.122).

Retomando as idéias de Marcuse ao pensar uma sociedade onde o homem teria mais tempo livre para “ser” e fugir da pesada condição cultural do trabalho, liga com as idéias de Marx, do trabalho alienado, então, Nunes conclui que “os modelos sexuais atuais e toda a sexualidade construída histórica e socialmente no Ocidente cristão, patriarcal e falocrático representam uma sexualidade alienada. A sexualidade do reino da necessidade e não do reino da liberdade...” (Nunes: 1987, p.122).
Nunes retoma Reich que toma a função do orgasmo como sendo a realização maior da liberdade e da condição humana, ou seja, uma nova compreensão do erótico e do sexual. Nunes vê essa posição como sendo um grito de libertação, de valorização da corporeidade.
Esse pensamento recupera a sexualidade, fugindo da concepção maniqueísta, do bem e do mal, do dualismo, da autoridade, do puritanismo religioso, da energia humana convertida em força de trabalho. Recupera também, a “dimensão dionísica” da vida e da condição do homem para a luta de uma nova sociedade e conseqüentemente, de uma nova mulher e de um novo homem, “só com as práticas novas se muda uma prática antiga” e o “discurso deve estar conectado com essas práticas”, uma nova significação, uma “ruptura com os padrões legítimos vigentes”.
Em seguida, Nunes afirma que “ainda está por explodir e se criar a identidade feminina” (p.124), passando pela negação do modelo do machismo cultural, considerando que:
“pela compreensão dialética da história, analisando as contradições e o movimento social, que compreendemos as diferenças culturais e as diferentes significações para a sexualidade como possibilidade de superação desse modelo engendrado na sociedade cristã ocidental” (Nunes: 1987, p.125).

Outro ponto considerado por Nunes é a questão da sexualidade liberada, vendida pelo capitalismo, na forma de consumismo, pois em uma sociedade onde há repressão, a sexualidade aberta seria um atrativo de consumo e de sublimação da frustração existencial, ainda que essa liberação aparente na sensualidade estereotipada, submete os corpos de uma nova forma, talvez mais cruel que a religiosa, em suma, seria uma variante da repressão

Nenhum comentário: