segunda-feira, 19 de maio de 2008

As identidades fabricadas pelo currículo: gênero, sexualidade e etnias em questão e a linguagem.

O argumento que proponho desenvolver neste trabalho - o de que os currículos investigados trabalham para reafirmar e estabilizar as velhas identidades fixas, unificadas e acabadas - não pode ser desenvolvido antes de uma constatação: a de que as professoras, educadoras e pedagogas atuantes em nossas escolas, não tiveram acesso a uma formação e a uma linguagem que lhes permitam criticar e transformar o suficiente as práticas culturais e sociais existentes.Quando as práticas das professoras são desnudadas aos nossos olhos, quando nas entrevistas e conversas informais, os seus olhos demonstram o constrangimento por não saber lidar com os temas lançados, tornam-se evidentes as práticas tão comuns na educação: às professoras são atribuídas uma série de tarefas sem que a elas sejam dadas as condições mínimas necessárias para cumpri-las. A elas não são possibilitadas as teorias que problematizam os currículos, não lhes são fornecidos materiais que traduzam essas preocupações e o seu tempo é controlado, dificultando a busca da qualificação necessária para a crítica e a transformação do currículo. As políticas educacionais investem tempo e dinheiro na confecção de currículos escritos, mas pouco investem na formação e qualificação adequada das docentes, para que essas possam lançar aos currículos o olhar crítico imprescindível para questioná-lo, problematizá-lo e transformá-lo.Sabemos que como educadoras/es culturais precisamos intervir criticamente naquelas relações de poder que produzem identidades individuais e sociais de um tipo particular. Mas sabemos, também, que para examinarmos criticamente os discursos e práticas curriculares que silenciam, quando não demonizam os Outros, precisamos antes de tudo conseguir fazer com que estejam disponíveis às educadoras, todos os esforços que têm sido feitos para compreendermos a etnicidade, as relações de gênero, de classe, de sexualidade e toda a política de identidade que as teorias sociais atuais têm nos auxiliado a compreender.

No que se refere ao currículo, os sujeitos pesquisados sempre o legitimam, ainda que esse seja branco, masculino, adulto e urbano. Elas/es, em sua maioria, não se dão conta das marcas que esse currículo está imprimindo em suas identidades. O currículo é legitimado ainda que os conhecimentos nele inscritos não encontrem qualquer ressonância com os desejos, com as vivências e com as realidades das professoras e estudantes que o vivenciam. E ele continua inscrevendo suas marcas, sem que as pessoas diretamente envolvidas no processo ensino-aprendizagem percebam.

Como as identidades não estão acabadas, elas estão em processo contínuo de construção, o currículo poderia contribuir para problematizar todos esses arranjos. Às vezes outros espaços (a família, a mídia ou o trabalho), apresentam outras vivências que colocam em xeque as certezas que o currículo branco, masculino e heterossexual tem reproduzido. Outras vezes esses espaços apenas reforçam tais certezas. De toda forma, as identidades são mutáveis e podem ser transformadas, a qualquer momento.

Além disso, o currículo também não é fixo e imutável. Reconhecer que o currículo em ação não apenas transmite conhecimentos, nem mesmo apenas os produz, mas que ele também “fabrica” sujeitos, produz identidades sexuais, étnicas, de gênero e de classe; e mais ainda, admitir que essas identidades estão sendo produzidas através de relações desiguais e que o currículo, como está organizado e como é efetivado nas escolas, está comprometido com a manutenção de uma sociedade dividida, é essencial para que possamos tentar interferir na continuidade dessas desigualdades. Afinal, não podemos nos esquecer que muitas verdades foram construídas pelos grupos com poder na sociedade. Mas a verdade é uma coisa desse mundo e, portanto, nós ainda podemos construir juntas/os as verdades da educação multicultural no Brasil.

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